terça-feira, 15 de setembro de 2009

Emília Nadal homenageada em Lamego


Inserido na dinâmica do primeiro festival de cinema Douro Film Harvest, decorreu nos dias 12 e 13 de Setembro, em Lamego, um encontro multidisciplinar de artes, o “Plast&Cine”.

Organizado pela Câmara Municipal de Lamego, em parceria com as Edições Cão e participação da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, o encontro homenageou Emília Nadal. Algumas das obras produzidas pela artista ao longo de décadas, desenho, pintura e objectos, foram reunidas numa exposição com curadoria de Dalila Rodrigues (1) e reinterpretadas por alunos da FBAUP em intervenções de arte pública.


As obras patentes ao público no centro histórico de Lamego inspiram-se no trabalho desenvolvido por Emília Nadal nos anos 70 (talvez a fase mais interventiva da artista, veiculando uma crítica implacável à sociedade de consumo) mas apelando à promoção e consumo de produtos regionais. Por exemplo, a bôla (“bolla heart”) com imagem da “Pizza Hut” – entre vinte “embalagens” gigantes cuja presença e conteúdo comunicativo alterou por completo o quotidiano dos lamecenses, ainda mal recuperados das Festas da Nossa Senhora dos Remédios, que terminaram a 9 de Setembro.

A obra "Slogan's" (1979), na exposição Serralves 2009: A Colecção (30 MAI-05OUT 2009)

Emília Nadal nasceu em Lisboa em 1938, com ascendência catalã por parte do pai. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde se licenciou em Pintura em 1960.

Admiradora de Almada Negreiros, não seguiu tendências, explorando temas e técnicas do seu exclusivo interesse, como deveria fazer qualquer artista. Em grande parte por esta razão, manteve-se à margem do mercado de arte, orientando a sua vida profissional para outras áreas da Cultura, sendo actualmente directora do Museu de Belas Artes de Lisboa e presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes.

Foi uma pintora “figurativa numa época em que o abstracto estava muito em voga entre nós” (Manuel Rio-Carvalho, 1986), sendo depois considerada uma pintora “abstracta ou abstractizante de estilo Pop” (Fernando de Pamplona, 1988), “Filtrada, é óbvio, pela sensibilidade de uma pintora que não se deixaria aprisionar por completo, nem para sempre, por nenhuma dessas doutrinas ou experiencias, por muito libertadoras que fossem” (Yvette Centeno, 2006).

Nos anos 70, entregou-se fora de tempo à arte Pop, interpretando os artistas americanos no contexto europeu, mais elaborado e filosófico, enveredando pela crítica ao consumo das ideias, denunciando o poder encantatório e manipulador da publicidade através de slogans irónicos, “em metáfora irónica, em lúcida mas amena expressão anedótica de tom doméstico” (Fernando Pernes). Foi, segundo a própria artista, o período mais importante da sua obra (2), destacando-se nesta fase a sua exposição no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, intitulada «Embalagens para Produtos Naturais e Imaginários Liofilizados». São também da década de 70 as suas fases “Paisagens imaginárias” (1974-76) e “Ovnis” (1976-78).

Desde o início dos anos 80, desenvolveu o tema da paisagem (“Paisagens oblíquas”), num regresso “se não ao espírito, pelo menos ao sentimento da paisagem” (Bernardo Pinto de Almeida, Colóquio-Artes, Março de 1983).

Em cerca de 50 anos de actividade artística, dedicou-se à pintura, desenho, gravura, objectualismo e cenografia para teatro e ballet (Ballet Gulbenkian, Teatro Nacional D. Maria II e ACARTE). É autora do mural no exterior da Biblioteca João Paulo II, em Lisboa. Foi ainda bolseira da Fundação Gulbenkian para investigação em artes visuais, sendo autora de diversos ensaios e artigos sobre educação estética e ensino artístico.

Participou em numerosas exposições colectivas em Portugal e no estrangeiro. Realizou diversas exposições individuais em Lisboa, Porto, Coimbra, Vila Real, Évora, Funchal, Macau, Madrid e Paris.

Prémios: Prémios Anunciação e Lupi de Pintura, Academia Nacional de Belas Artes de Lisboa; XVIº Prémio de Desenho Joan Miro, em Barcelona.

Encontra-se representada nas colecções do Museu de Arte Moderna de Serralves, do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, da Galeria de Arte Contemporânea do Funchal , Colecção Berardo, CGD, BCP, e outras colecções particulares.


Notas

(1) - O envolvimento de Dalila Rodrigues na homenagem a Emília Nadal em Lamego, sendo compreensível não deixa de ser curiosa. Doutorada em História da Arte pela Universidade de Coimbra (especialização em História da Pintura Portuguesa), Dalila Rodrigues dirigiu o Museu de Grão Vasco, em Viseu, desde 2001 a 2004, sendo responsável pela renovação e revitalização deste importante espaço de Cultura. Afastada do cargo, foi logo depois nomeada directora do Museu Nacional de Arte Antiga pela ministra Maria João Bustorff, do PSD. No MNAA, angariou prestígio (organizando grandes exposições e as festas da Noite dos Museus, para além de captar importantes mecenatos) mas foi demitida em Agosto de 2007 pela ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima (PS), após criticar o modelo de gestão dos museus, sem autonomia financeira e administrativa. A demissão da directora do MNAA teve enorme repercussão política e esta foi prontamente colocada na Casa da Música, como responsável pela Direcção de Comunicação, Marketing e Desenvolvimento da Fundação Casa da Música, cargo até então desempenhado por Guta Moura Guedes, directora da bienal Experimenta Design. Dalila Rodrigues foi também a responsável pela exposição das obras de Paula Rego no "Museu" Casa das Histórias, a inaugurar brevemente em Cascais. Enfim,… curiosidades do mundo dos museus e não só. Resta acrescentar que o Museu de Grão Vasco continua sem director próprio, sendo orientado em acumulação pelo director do Museu de Lamego.

(2) - "Foi a fase das embalagens para produtos imaginários. A minha ideia era de que tudo era passível de ser consumido", recordou, contando que "havia de tudo", desde "detergente para lavagem ao cérebro" a "discursos políticos em flocos" e "Algarve enlatado". (JN 03/09/2009)

Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses, Fernando de Pamplona, vol. IV, Civilização, 1988.

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