domingo, 10 de julho de 2011

Apostar seriamente no Turismo (Cultural)

Santiago, Seia



Por ocasião dos 25 anos da elevação de Seia a Cidade, verificou-se algum consenso quanto à necessidade de repensar o futuro da cidade e do concelho. O jornal Porta da Estrela (nº 926, 30 de junho 2011) publicou um conjunto de depoimentos de “personalidades de diversos setores da Sociedade Civil” com ideias e propostas concretas para o futuro do concelho, e a Câmara Municipal promoveu a realização de um debate na Casa Municipal da Cultura para “Pensar a Cidade”.

Fui uma das pessoas convidadas pelo jornal Porta da Estrela a opinar sobre o futuro do concelho de Seia, através de um texto necessariamente curto para cumprir o limite máximo de carateres referido no convite. Por este motivo, muito ficou de fora do meu texto final, após intensa poda do texto originial, e o que sobrou vai ser reproduzido mais à frente. Antes, gostaria de recuperar (da memória) algumas das ideias que ficaram apenas subentendidas no texto publicado e desfiar outras entretanto suscitadas.

Seja qual for o futuro do concelho de Seia, ele terá de passar por decisões politicas corajosas, com as necessárias consultas e discussão pública mas contrariando a tentação de chegarmos à noite ainda a discutir a frescura da manhã. Para haver um rumo é necessário apontar uma direção e a definição desse rumo fica facilitada e os riscos da viagem serão mais justamente partilhados se a denominada sociedade civil for chamada a pronunciar-se e ouvida. Será fundamental definir-se um rumo único, ou uma demanda baseada num interesse comum. Mário Jorge Branquinho – que continua a pensar o futuro de Seia e a intervir ativamente na sua construção diária – sugere um Conselho Económico Municipal, para “alinhar estratégias e um rumo”. E explicita: “A Câmara é o motor do desenvolvimento, mas esse mesmo progresso só é possivel se se contar com a participação e envolvência de todos. A iniciativa privada tem de ser mais vezes desafiada a investir. Tem de haver mais proximidade, depois de se alinhavar o tal rumo, com a definição de 3 ou 4 áreas prioritárias, porque o turismo sozinho não chega.” A maior vantagem e o maior perigo de um Conselho Económico é precisamente o de ser económico, em meios onde não é fácil conciliar interesses particulares (nem só os económicos, é certo) com interesses públicos e num país viciado em subsídios – apesar, e talvez mais ainda, por causa da crise. Um país que, por ter tais defeitos, já vai servindo de desculpa para tudo, como tão bem apontou Gonçalo M. Tavares em “Uma Viagem à Índia”: “Cada país é um pormenor que cada habitante utiliza como melhor lhe convém e como a lei permite.” Ou seja, não existe um único Portugal mas sim um Portugal diferente para cada português ( os “Portugais” de Alberto Pimenta) e esse Conselho que MJB propõe não deve ser exclusivamente uma troika económica mas sim conciliar protagonistas e intervenientes diversos com vista a um compromisso social o mais amplo possível, pois o tal rumo nunca deverá ser entendido como um engodo – a raposa que se mostra de longe à matilha de caça, ou a cenoura que se pendura diante do nariz do burro para o fazer andar.

Considerando a vocação turística do concelho de Seia, pareceu-me importante levantar a bandeira do turismo cultural, sublinhando que a maior parte das pessoas tem conceitos muito restritos de turismo e de cultura. Ora o turismo ligado à cultura deve ser pensado num contexto mais geral mas sempre local, para focar essas especificidades e rentabilizá-las. A unidade cultural de um concelho ou de uma região é sempre relativa, dada a artificialidade das fronteiras administrativas, havendo assim que valorizar e promover os elementos comuns unificadores. Sem cair na tentação de os recriar ou inventar, como aconteceu no Estado Novo com os trajes regionais e as casas típicas das antigas províncias portuguesas. Nem é por acaso que os monumentos ao pastor em Seia, Gouveia e Oliveira do Hospital são muito idênticos no essencial das formas e mesmo na composição das figuras, ao contrário do que acontece por exemplo em Celorico da beira (Monumento ao Pastor) ou Fornos de Algodres (Monumento aos Pastores e Queijeiras).

O envolvimento das freguesias pode despertá-las culturalmente e criar até alguma dinâmica económica – com algum incremento dos produtos regionais, a par da exploração das riquezas naturais, modos de vida e atividades tradicionais e de lazer, ou dos transportes, que são indissociáveis do turismo. Sem esquecer as várias vertentes do turismo cultural, que inclui o público que se desloca a Seia para um espetáculo ou uma competição desportiva, o turismo científico (visitas de estudo) e de congresso, que já tem alguma expressão na cidade. O que me pareceu útil foi sugerir a construção de um mapa inteligente de interesses que articulasse todas estas necessidades, idealmente asseguradas por micro-empresas ou empresas familiares, mesmo de constituição temporária ou sazonal, no conjunto da estrutura mais estável das indústrias locais.

O futuro de Seia, tal como a situação económica do país, pode parecer o “nó górdio” que muitos pretendem dar a ver (movidos por interesses inconfessáveis?) mas dispensa a mesma solução drástica. Seia precisa mais de soluções tipo “ovo de Colombo”, mas os novos tempos vão levar-nos certamente a modos mais criativos de entender e de fazer.


Apostar seriamente no Turismo (Cultural)


Nestes tempos de grande excitação cultural e competitividade entre criadores, agentes e empresas de cultura, para contrariar o pessimismo inspirado pela crise e reagir às restrições económicas, torna-se oportuno desafiarmos as “ideias feitas”, os estereótipos da cultura e do turismo, para pensarmos criativamente o turismo cultural em Seia, numa perspetiva global e integradora. A vocação turística do concelho de Seia é consensual e o turismo cultural deve proporcionar uma dinâmica de causa e efeito entre oferta cultural e turismo (em geral), sem pré-conceitos e muito menos angústias contraproducentes. Refiro-me, por exemplo, à habitual confusão entre excursionista e turista.
Apesar do concelho de Seia possuir já vários equipamentos culturais de qualidade, dinâmicos e prestigiados, o que continua a faltar é um espaço cultural de valorização e divulgação da história local. Idealmente, uma estrutura com vários espaços, âmbitos e dimensões, centrada na conservação, exposição e interpretação multimedia de objetos históricos relevantes e obras de arte, mas que dasafie os modelos tradicionais de divulgação e interação com a comunidade e com o mundo.
Esta ideia integra-se naturalmente num todo agregador, que é urgente discutir e implementar. Um conceito de turismo cultural que interessará a Seia, apresenta-o como a busca de novos conhecimentos e experiências, de interação com outras pessoas, comunidades e lugares, da curiosidade cultural, dos costumes, da tradição e da identidade cultural (Lise e Hélio Barroso, 2008). Com estes parâmetros, poderia desenhar-se um mapa de interesses sociais, culturais e económicos, para organizar e articular o máximo de intervenientes, detetar as falhas do sistema e instruir a implantação, mesmo sazonal, de atividades dinâmicas e criativas a cargo de grupos ou pequenas empresas, proporcionando desafios reais a jovens e menos jovens gestores, aliciantes experiências de trabalho para jovens e ocupação de reformados, mas, sobretudo, múltiplas oportunidades de trabalho e de negócio. Por tudo isto, o turismo em Seia deveria ser (re)pensado e constituir a principal linha orientadora de uma estratégia global para ajudar ao desafogo económico e ao futuro do concelho.

Sérgio Reis


Materiais e formas de ontem e de hoje convivem e dialogam entre si em Seia (nova sede dos Rotários, no centro histórico).

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