sábado, 10 de novembro de 2012

O sentido oculto das imagens

O estereograma esconde uma imagem tridimensional dentro de uma imagem bidimensional

No mundo dito desenvolvido, o culto da imagem é uma característica das sociedades individualistas e voyeristas, notavelmente servido pela fotografia - hoje merecedora de uma enorme difusão através das redes sociais e cuja função principal é fixar para a posteridade o momento mais fugaz, a reação espontânea, a pose distraída – ou, pelo contrário, o momento mais longamente congeminado. Nessas sociedades, tornaram-se cada vez mais difusas as fronteiras entre as aparências, e já não apenas entre o que é e o que parece ser. A representação da realidade idealizada torna-se multidisciplinar, mobiliza diversas linguagens e saberes para construir sonhos tridimensionais, muito para além das habilidades bidimensionais “trompe l’oeil” e outras ilusões visuais. A novela satírica de Edwin Abbott Abbott, “Flatland: A Romance of Many Dimensions” (1), revela desde 1884 que temos um entendimento muito limitado da realidade. Teorias posteriores, com destaque para a curvatura do espaço-tempo (Einstein) ou a teoria do caos, aumentaram a consciência dessas limitações. Ao contrário de ainda ontem, as verdades de hoje estão longe de serem únicas e imutáveis, havendo verdades mais verdadeiras que outras, em escalas que variam de acordo com a geografia humana, e os valores de referência individualizaram-se, a imagem que as pessoas têm de si próprias serve de medida padrão para o seu exclusivo conhecimento e entendimento do mundo.

Em matéria de imagens, há dois princípios que nunca devemos esquecer: as imagens são sempre complexas e olhar é muito diferente de ver. Como ensina o provérbio chinês, “Uma imagem vale por mil palavras” e só nos parece simples quando a olhamos de relance ou distraidamente. Refiro-me a imagens comuns, dos jornais e revistas, muitas vezes incómodas e até repugnantes, mas também às imagens “construídas”, imagens dentro de imagens, sentidos dentro de sentidos, mensagens dentro de mensagens. Como acontece nos estereogramas, que nos apresentam uma imagem bidimensional construída de modo a que, desfocando os olhos (ou focando-os para além do suporte da imagem), conseguimos ver uma imagem totalmente diferente da primeira e a três dimensões, flutuando no espaço.

Tal como as pessoas, as imagens (no sentido atual do termo) nunca são o que parecem. Têm sempre sentidos e intenções mais ou menos ocultas, subliminares, uma característica muito explorada pela publicidade, televisão, cinema e videojogos. As nossas sensações e emoções estão a ser continuamente manipuladas, provocando reflexos condicionados e respostas aparentemente conscientes que acabamos muitas vezes por aceitar e integrar nas rotinas diárias. Mas enquanto a imagem publicitária necessita seguir os padrões sociais, outras imagens ganham ainda mais sentido confundindo-os, e só se tornam perversas quando baralham as ditas prioridades sociais e desmagnetizam a bússola da moral.

No caso do estereograma, não é fácil desfocar a visão pois os nossos olhos foram treinados para fazer precisamente o contrário: convergir no plano da imagem. Mas o que acontece se desfocarmos os preconceitos adquiridos ao longo dos anos da nossa vida e olharmos com olhos de ver as duas imagens seguintes? O que é que podemos ver, afinal, em cada uma delas? O que é que cada uma delas realmente diz?



(1) - Ler o livro online. Ver trailer do filme.

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