segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tadao Cern - Revelando a Verdade

Vincent Van Gogh, "Autoretrato", 1887, óleo s/tela / Tadao Cern, "Revealing the truth", 2012, fotografia digital


No verão de 2010, um jovem arquiteto lituano decidiu mudar algo na sua vida e tornou-se fotógrafo. Em pouco tempo, as experiências e projetos fotográficos de Tadao Cern fizeram sucesso nas redes sociais e conquistaram os adeptos da pintura com a obra “Revealing the truth” (Revelando a verdade), uma recriação digital do autorretrato de Vincent Van Gogh, pintado em 1887. Um vídeo permite comparar a fotografia retocada digitalmente com a imagem da pintura original e pode ler-se o seguinte texto no site de Tadao Cern:

“Há muito, muito tempo, um estranho pediu-me que fizesse o seu retrato… e eu fiz. Enviei-lhe a imagem e nunca mais tive notícias dele.
Não há muito tempo, vi uma pintura que me pareceu familiar. Então, percebi – era uma cópia da minha foto!
Fiz uma breve pesquisa e concluí que o tipo que desenhou (copiou) é bem conhecido…
O seu nome é Vincent Van Gogh e eu tive a sorte de fazer o seu retrato.
Pena foi que nunca me tivesse mencionado e eu perdi o seu contacto.
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Explicação para aqueles que ficaram confusos: o texto acima é apenas uma piada (…).”

O meticuloso Barocci na National Gallery

Barocci, "Madonna del Popolo", 1575-79 (Galeria Uffizi, Florência). A composição, o pormenor e a cor, previamente estudados, conjugam-se admiravelmente nesta obra-prima do artista italiano.

De 27 de fevereiro a 19 de maio de 2013, a National Gallery vai mostrar em Londres um importante conjunto de obras de Frederico Barocci, pintor italiano falecido há 400 anos, conhecido pelo extremo cuidado com que elaborava as suas pinturas, desde o realismo das figuras à harmonia da composição, e particular sensibilidade para a cor.

Frederico Fiori, “Il Baroccio”, nasceu em Urbino em 1528 e aí faleceu em 1612. O influente Giovanni Pietro Bellori (1), na sua cruzada por uma arte ideal, guiada pela razão, considerou Barocci o mais importante pintor do seu tempo, juntamente com Carracci (2), que fizera renascer o ideal renascentista.

Entre as obras que estarão expostas, consta o famoso retábulo da “Última Ceia” (c. 1580, Catedral de Urbino), graças à colaboração de entidades italianas e apoio da Fundação Joseph F. McCrindle.

Juntamente com 14 retábulos e pinturas religiosas e 4 retratos, serão apresentados alguns desenhos preparatórios e esboços a óleo, revelando a imaginação fértil e o método de trabalho de Barocci – que chegava a ser obsessivo na preparação das suas obras, produzindo inúmeros estudos prévios utilizando meios e técnicas diversas – tendo chegado até aos nossos dias cerca de 2.000 desenhos de sua autoria.

Todos os artistas utilizavam métodos e estratagemas para visualizarem as cenas (os “quadros”) que pretendiam pintar. O método de trabalho de Barocci, divulgado por Bellori, consistia num exigente e complexo programa de oito passos, que o artista adaptava às particularidades de cada obra a realizar:


1 - Esboços para trabalhar a ideia original, estudando a organização da cena, a perspetiva e a pose de cada figura.
2 - Estudos a carvão de modelos vivos.
3 - Modelos em miniatura ou tamanho real para estudar os efeitos da luz e sombra nos volumes e drapeados dos tecidos.
4 - Estudo da composição, a guache ou a óleo, com a marcação das zonas de luz e sombra .
5 - Esboço em tamanho natural, usando pastel ou carvão.
6 - Esboço na tela.
7 - Estudos de cores e harmonia cromática a óleo antes e durante a pintura da obra.
8 - Pintura da obra.

Um trabalho meticuloso que conferiu particularidades únicas à sua pintura e inspirou outros artistas, como Rubens, que adotaram no todo ou em parte o método de trabalho de Barocci.

(1) - Giovanni Pietro Bellori (Roma, 1613-1696), o mais importante teórico da arte do seu tempo e biógrafo de grandes artistas, publicou em 1672 a sua obra mais relevante, “Le vitte de pittori, scultori et architetti moderni”.
(2) - Annibale Carracci (Bolonha 1560 - Roma, 1609), contemporâneo de Barocci, conjugava na sua pintura particularidades de pintura florentina e veneziana, versatilidade que caraterizou o barroco da Escola Bolonhesa.

National Gallery

A IMAGEM DE JULIO


De 18 de janeiro a 7 de abril 2013, a Fundação Calouste Gulbenkian mostra algumas obras fundamentais do percurso artístico de Júlio Maria dos Reis Pereira (1902-1983).

Pintor, ilustrador e poeta (com o pseudónimo de Saul Dias), o irmão de José Régio integrou a segunda geração de modernistas portugueses, participando no 1º Salão dos Independentes (1930).

Intitulada “a imagem que de ti compus”, a exposição apresenta desenhos e óleos datados de 1930 a 1960, pertencentes às coleções da FCG e da Fundação Cupertino de Miranda. A liberdade formal e utilização poética da cor, próprias do expressionismo, marcaram a obra de Júlio, muito ligada ao movimento da Presença. O seu interesse pelo património e cultura popular, ajudando ao renascimento do figurado em barro de Estremoz, também transparece nos seus desenhos e pinturas.

Apesar de ter realizado incursões no surrealismo e abstracionismo, novidades em Portugal na década de 1930, optou por seguir o seu instinto artístico e um percurso muito pessoal, “ um universo contaminado pela ingenuidade, numa tentativa nostálgica de reencontro do homem com a natureza" (1).

Depois de viver mais de 30 anos em Évora, regressou em 1972 à sua terra natal, Vila do Conde, onde faleceu em 1983.

Em 2010, a Fundação Cupertino de Miranda realizou em Famalicão uma importante exposição de homenagem a Júlio Maria dos Reis Pereira (“Por toda a parte – Júlio”, outubro 2010 a fevereiro 2011) mostrando mais de uma centena de obras de Júlio (pintura e desenho), Saul Dias (poesia) e Júlio Pereira (engenharia).

(1) - Filipa Oliveira in "Júlio dos Reis Pereira" - Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão - roteiro da coleção, FCG.



domingo, 27 de janeiro de 2013

Novas obras de Paula Rego na Marlborough


Paula Rego em 2011, no Porto

A Dama Pé-de-Cabra e outras histórias

Abriu em Londres, na Marlborough Fine Art (1), a exposição de Paula Rego intitulada “A Dama Pé-de-Cabra e outras histórias”, com novas incursões da artista pelos contos tradicionais portugueses.

A exposição consta de 6 grandes trabalhos em pastel sobre o conto tradicional português do séc. XI, “A Dama Pé-de-Cabra” (2), já vistos na Casa das Histórias (Cascais, julho a outubro de 2012) e 8 novos trabalhos sobre outras histórias, a propósito de um poema do controverso Hilaire Belloc (3) ou inspirados na figura de Pierrot. Encontra-se ainda exposta a maqueta escultural “O recreio”. Tal como muitos outros pintores (falaremos disso neste blogue, a propósito do meticuloso Barocci), Paula Rego utiliza maquetas com figurinos para estudar as cenas mais complexas.

Uma destas novas obras agora apresentadas na Marlborough, intitulada “Avareza”, está a causar algum embaraço em Cascais pois uma das figuras representadas assemelha-se bastante ao atual presidente da Câmara, Carlos Carreiras. A Fundação Paula Rego é uma das fundações que o Governo quer extinguir mas o autarca de Cascais já declarou em diversas ocasiões que a Casa das Histórias irá manter-se, restando saber como e com que condições. Inaugurada em 2009 com pompa e circunstância, a Casa das Histórias passou por uma polémica mudança de diretora em 2010 (saiu Dalila Rodrigues e entrou Helena de Freitas) mas a notícia da extinção da Fundação deixou Paula Rego desgostosa e é compreensível que se sinta enganada.

No entanto, algumas personagens de outras obras da mesma exposição (que pode ver AQUI), fazem lembrar figuras públicas portuguesas - semelhanças que podem ser intencionais ou meramente fortuitas, cabendo a última palavra à autora. As diferenças entre a representação das personagens das histórias e as personagens assumidas pelos modelos habituais de Paula Rego (Lila Nunes, Anthony Rudolf), além da sua importância na composição, permitem as mais diversas leituras, que não devem ser imediatas, precipitadas, dada a sua subjetividade. O mesmo não aconteceu em 1960 na obra “Salazar vomitando a Pátria”, cujo título não deixava margem para dúvidas.

A artista portuguesa (Dama do Império Britânico desde 2010) privilegia na sua obra o universo maravilhoso, violento e grotesco das histórias tradicionais, repositório dos piores medos e das maiores esperanças, explorando as tensões entre a realidade e fantasia, entre o belo e o grotesco.

A exposição decorre até 01 de março de 2013.

(1)-A galeria que representa Paula Rego desde 1987.
(2)-Recolhido por Alexandre Herculano na obras “Lendas e Narrativas” (1851).
(3)-“Do you remember an Inn, Miranda?” de Hilaire Belloc (1870-1953)