domingo, 12 de maio de 2013

A "Mesa Verde" e "Pandora", alegorias apocalíticas da crise - ontem e hoje


A Mesa Verde” no YouTube, pelo “ The Joffrey Ballet of Chicago”

Os bailados “A Mesa Verde” e “Pandora”, aclamadas obras do coreógrafo alemão Kurt Jooss (1901-1979), merecem hoje uma atenção especial, um renovado olhar à luz do desnorte económico, político e social que parece instalado na Europa, lembrando os riscos historicamente associados a estes fatores – ou já sinais - de conflito internacional. A essência humana mudou muito pouco no último século: o que mudou verdadeiramente foram os estratagemas e as artimanhas para se manifestar no seu melhor e pior.

A Mesa Verde”, estreado em Paris em 1932, surgiu no contexto da crise económica que assolou a Europa na viragem da segunda década do século XX, em consequência do “crash” da bolsa nos EUA, permitindo não só a chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, como chanceler, mas sobretudo a fusão dos poderes de presidente e chanceler na figura do “führer”. O bailado critica os horrores das guerras (destacando-se a sequência da dança da Morte), mas também o modo como as guerras são discutidas e decididas. À volta de uma mesa (verde, a cor das mesas de jogo) dez diplomatas caraterizados como personagens grotescas, vestidas a rigor e mascaradas, discutem e negoceiam o que parece cada vez mais inevitável, a guerra (1), cujo fim levará a novas discussões e negociações.  No final dos anos 30, após muita discussão e negociação tentando adiar o que parecia inevitável, Hitler acendeu o rastilho de uma guerra europeia que depressa alastrou pelos outros continentes, com os resultados conhecidos.

O bailado “Pandora”, estreado em 1944, critica o modo como são tomadas decisões fundamentais para o destino da humanidade, desdobrando-se em imagens de tragédia. Na alegoria em 3 atos, Pandora liberta da sua caixa misteriosa toda a espécie de monstros e convence as pessoas a sacrificar os seus próprios filhos ao Deus Máquina. No ano seguinte à estreia de "Pandora", os americanos lançavam bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasaki.

Kurt Jooss (1901-1979) ficou conhecido pelas suas coreografias vanguardistas, combinando o bailado clássico com o teatro moderno. A “Dança da Morte” (1927) foi mesmo considerado demasiado vanguardista para a época, marcada por uma grande atividade artística na Europa. No caso da dança, os anos 20 reuniram no palco europeu os grandes mitos do bailado moderno, de Balanchine e Diaghilev (Ballets Russes) a Vaslav Nijinsky e Isadora Duncan. O trabalho inovador e inspirador de Jooss abriu caminho a outros coreógrafos de referência, como Pina Bausch, que foi sua aluna.

Após o sucesso de “A Mesa Verde”, fundou a companhia Ballets Jooss, atuando nas principais cidades de vários países europeus. A sua independência não agradou ao regime Nazi, que o acusou de colaborar com judeus. Quando a Gestapo decidiu prendê-lo, Jooss já estava a caminho da Inglaterra e tornou-se cidadão britânico em 1947.

 (1)-Kurt Jooss entrevistado por Robert Joffrey.

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