segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A curiosa arte funerária do Gana


Desde a década de1940,os carpinteiros de Acra, capital do Gana, dedicam-se à confeção de caixões  artísticos personalizados. Essa arte funerária tornou-se a principal característica distintiva da arte popular na região do povo Ga e chegou  recentemente a todo o mundo através de um anúncio da Coca-Cola e da Internet. Agora é possível encomendar à distância um caixão personalizado, em forma de garrafa de Coca-Cola ou de automóveis de todas as marcas e modelos, aviões, telemóveis e objetos diversos, animais, frutos ou legumes.

A arte funerária teve expressão relevante ao longo da história da Humanidade, atingindo alto nível de sofisticação em determinadas civilizações, épocas e momentos históricos. Basta lembrar a arte funerária no antigo Egipto, a escultura tumular gótica, os aparatos funerários do Barroco ou a estatuária fúnebre do Romantismo e Simbolismo no século XIX.
No contexto da arte funerária, que inclui os mais diversos objetos e representações, destaca-se a arte tumular – ligada a rituais de sagração e conservação do corpo, condição fundamental no antigo Egipto (Livro dos Mortos) como no Cristianismo (ressuscitação de Lázaro – Evangelho segundo São João, ressurreição dos mortos - Apocalipse), mas támbém ligada a sistemas culturais de ostentação de poder e riqueza. As culturas nómadas ou que praticaram  a cremação, por razões práticas ou por motivos religiosos, quase não têm arte funerária.
No início do século XX, a nobreza nativa do Gana ainda viajava comodamente instalada em palanquins com formas e cores distintivas, inspiradas em formas naturais  ou na mitologia local. Em meados da década de 1940, um carpinteiro do Acra, Ataa Oko, decidiu homenagear a esposa falecida construindo-lhe um caixão inspirado nesses palanquins, a que acrescentou uma tampa.
A ideia foi bem acolhida na comunidade e seguida por outros carpinteiros de Acra, que a desenvolveram desde os primitivos caixões de tábuas toscas às estruturas atuais, mais elaboradas e incorporando materiais modernos. O objetivo desta curiosa arte tumular é que o caixão se identifique com o seu ocupante e, para tal, nada melhor que cada qual encomende a forma  do seu caixão – como acontecia nos antigos sarcófagos e nos túmulos medievais. Tal como outrora, os caixões do Gana veiculam o imaginário moderno do gosto popular, de formas naïves ou sofisticadas, de grande eficácia comunicativa e surpreendente realismo de formas e cores. Da simples galinha aos automóveis de luxo , passando pelos mais diversos objetos comuns, os carpinteiros de Acra praticamente não conhecem o impossível e há inclusive empresas que gerem as encomendas através das redes sociais e garantem a entrega da obra praticamente em todo o mundo – a tempo do funeral ou para figurar em coleções de arte.

 Apresentada pela primeira vez na Europa em  1989, no Museu Nacional de Arte Moderna em Paris, a curiosa arte  funerária do Gana merece crescente atenção das galerias e museus de arte internacionais, dando a conhecer a obra de artistas como Ataa Oko, Kane Kwei, Paa Joe, Kudjoe Affutu, Ata Owoo, Eric Kpakpo, Eric Adjetey. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Bienal internacional do design em Lisboa – EXD’13


Entre 7 de novembro e 22 de dezembro, Lisboa vai receber a EXD’13, a bienal internacional dedicada ao design, arquitectura e criatividade. O tema da bienal, “No Borders”, estabelece uma ponte com o Brasil, reforçada com o anúncio de uma bienal em São Paulo, a EXD’14, agendada para agosto de 2014.

O vínculo com a cidade de Lisboa é uma característica importante da bienal, centrada em duas zonas, Belém e Chiado. Belém “simboliza a relação de Portugal com o mundo”. O Chiado acolhe a experimentadesign há 15 anos e “afirma-se cada vez mais como uma das áreas mais ligadas à cultura e ao design”. Além disso, a exposição “Metamorphosis” e as intervenções urbanas “Pelo Tejo vai-se para o mundo…” visam o desenvolvimento de projetos para a indústria ou na cidade.

“Privilegiando ideias e indivíduos, o programa da Bienal tem por objectivo transmitir conteúdo e incentivo tanto a uma audiência especializada como ao público em geral”, a bienal desenrola-se em diversos espaços: Convento da Trindade (Lounging Space e a exposição “Identity - Identidade e Estratégia”); Auditório do novo Museu dos Coches (debates e conferências em parceria com o London Design Festival (LDF); Auditório do MUDE (debates); Praça do Império (intervenção urbana em colaboração com a CML); Palácio dos Condes da Calheta (exposição “(Un)Mapping the World” – em parceria com o Instituto de Investigação Científica Tropical).

Este não é claramente o mundo da Arte – II

Christopher Wool, “Blue Fool” - 5 milhões de dólares

A obra de Arte original, única, insubstituível, não tem preço. Seja antiga ou moderna, académica ou vanguardista, realista ou abstracta. Infelizmente, aceita-se (quando não se incentiva) que a sua importância artística e cultural, muitas vezes relativa e subjetiva, seja associada a um valor, um preço, sensível às leis do mercado, que visam quase sempre a especulação e o negócio lucrativo.

Para moldar valores e fixar preços que chegam a ser incompreensíveis, os agentes económicos estabelecem critérios de valorização e apreciação/avaliação, aceites por pequenos grupos de investidores multimilionários que disputam a posse dessas obras, quase sempre avançando elevadas quantias, autênticas fortunas. Os valores mobilizados pelos negócios da arte, que nada têm a ver com o âmbito puramente artístico, atingem quantias que estarrecem o cidadão comum e alimentam o universo das galerias e das leiloeiras.

Os valores não param de subir a cada troca de proprietário. Na verdade, quanto mais se anuncia o novo valor de uma obra, mais o mercado é tentado a estabelecer novos recordes. No entanto, não devemos encarar  todos estes negócios milionários pelo mesmo ângulo nem medi-los pela mesma bitola. Como em tudo na vida, há exceções. No mesmo patamar, coexistem realidades bem diferentes. 

Devemos no entanto intrigar-nos e refletir acerca dos valores atingidos por determinadas obras (1). Essa reflexão torna-se muito útil pois destaca a natureza e função da obra artística na sociedade actual. Que pedimos nós à arte no nosso tempo? Que arte é a do nosso tempo? Não será esta sobrevalorização do objecto artístico um sinal de revivalismo, uma tentativa de regresso desesperado à(s) virtude(s) perdida(s), numa época em que a arte concetual contesta o sentido tradicional de obra de arte e as vanguardas artísticas procuram afirmar-se como reserva moral e ética em plena crise de valores – afinal a autêntica raiz da crise financeira em que o ocidente mergulhou e o mais claro sinal de irreversível declínio.

(1)-Veja-se, por exemplo, a peça de Yasmina Reza, "Arte", protagonizada em Portugal por António Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme.

Gerhard Richter, “Blood red mirror” - 1,1 milhões de dólares

Ellsworth Kelly, “Green White” - 1,6 milhões de dólares