quarta-feira, 18 de junho de 2014

Inimigos duplicados


Estreia hoje em Portugal o thriller "Enemy" (2014), cujo argumento, do espanhol Javier Guillón, é baseado no romance “O Homem Duplicado”, do Nobel português José Saramago, publicado em 2002. Realizado por Denis Villeneuve, o filme chega já premiado (Prémio Méliès d'Argent no Festival Internacional de Cinema Fantástico da Catalunha, em Sitges) ao nosso país, contando com a participação dos atores Jake Gyllenhaal (“Brokeback Mountain”, “Prince of Persia”, “Prisioners”), Mélanie Laurent, Sarah Gadon e Isabella Rossellini.

O "Homem Duplicado" é uma história de suspense sobre o conceito de identidade, saber quem somos enquanto indivíduos, únicos, numa época dominada pela imagem e por relações humanas e profissionais baseadas na aparência. Segundo Saramago (1), a pergunta central do livro é "quem sou eu?" e não quem é o outro. A semelhança física extrema entre duas personagens, os sósias Tertuliano Máximo Afonso, professor de História, e Daniel Santa-Clara, ator, aproxima-os e lança-os no desafio de testarem a sua semelhança trocando de identidade. Uma situação que se verifica também com alguns gémeos, tentados a trocar de papéis usando as semelhanças físicas. A ameaça identitária criada pela descoberta da duplicação só desaparece quando é eliminada. O sobrevivente pode assim escolher uma das identidades disponíveis mas o efeito perverso da duplicação é que, num mundo tão diverso, a duplicação possa ser mais generalizada e o homem duplicado descobre que tem afinal não um mas vários rivais. O fio da narrativa é tão forte em "O Homem Duplicado" que chega a secundarizar o prazer do texto nessa obra de Saramago, apresentada pelo próprio sob o lema “"O caos é uma ordem por decifrar" (Livro dos contrários) e uma citação de Laurence Sterne, “Acredito sinceramente ter intercetado muitos pensamentos que os céus destinavam a outro homem”.

VER o trailer oficial.

(1)-Entrevista no programa brasileiro Roda Viva, Canal Cultura, 13/10/2003

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Curta Artes

Os programas “Curta Artes”, "Museu Vivo", "Arte Documenta" e “Visita Guiada”, produzidos pelo canal cultural de televisão SescTV, de São Paulo, Brasil, apresentam artistas e obras de arte contemporâneas, com depoimentos dos artistas e visitas guiadas às suas exposições.
São Paulo acolhe uma das três mais importantes bienais internacionais de arte contemporânea e oferece museus de referência internacional, com destaque para o MASP, assim como 32 centros culturais e desportivos.

30ª Bienal Internacional de São Paulo (2012). Juntamente com a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, que se realiza de 5 em 5 anos, a Bienal de São Paulo domina o circuito internacional de arte contemporânea.

A programação de 24 horas da SescTV contempla a música, dança, teatro e cinema, para além das artes plásticas e da arquitetura.

O Sesc (Serviço Social do Comércio) é uma impressionante instituição nacional brasileira sem fins lucrativos que visa proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos trabalhadores do comércio, familiares e sociedade.

Mira Schendel em Serralves


No Museu de Serralves decorre até 24 de junho uma interessante exposição retrospetiva de Mira Schendel (1919-1988), artista nascida na Suíça e radicada no Brasil. Com uma impressionante história de vida, Myrrha Dagmar Dub, filha de um emigrante checo e afilhada de um conde italiano, tornou-se refugiada devido às suas raízes judaicas e ativismo social em Itália, viajando pela europa até emigrar para o Brasil, em 1949. Aí começou a pintar, no meio de grandes dificuldades económicas e tendo apenas como referência os mestres da pintura moderna europeia. Em São Paulo, passou a assinar os seus trabalhos simplesmente com o primeiro nome, Mira, e adquiriu, por casamento, o apelido Schendel. Com formação em Filosofia, amiga de Max Bense (autor de uma curiosa teoria estética) e integrada num círculo cultural paulista de raízes germânicas, produziu uma vasta obra pictórica explorando os limites da abstração. No início da década de 1960, trabalha o conceito de “transparência” na perspetiva filosófica (a perceção humana do tempo e do espiritual) e desenhando sobre papel de arroz, delicado e semitransparente, passando depois aos “objetos gráficos” integrando letras e outros elementos gráficos assim como o contributo literário de poetas brasileiros.

Na década de 1970, Mira Schendel integrou na sua obra aspetos tecnológicos inovadores, ao nível da conceção e produção, afirmando-se como uma das mais importantes artistas brasileiras contemporâneas. Na década de 1980 regressou à pintura, trabalhando com têmpera e integrando nas suas telas a folha de ouro e pó de tijolo.

Na sala central de Serralves podem ser apreciadas obras da última série de Schendel, os “Sarrafos” (1987), formas geométricas negras que escapam do seu suporte de modo diferente dependendo do ponto de vista do observador, questionando os limites da forma, a bidimensionalidade da pintura e do seu suporte tradicional, assim como o espaço do observador e a sua participação na obra.

A exposição patente em Serralves foi organizada em associação com a Tate Modern e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, na sequência da exposição realizada em Londres no final de 2013. Com curadoria de Tanya Barson e Taisa Palhares, essa exposição reuniu cerca de 250 obras provenientes de coleções públicas e privadas – a maior retrospetiva da obra de Mira Schendel até à data, após a grande homenagem prestada na 22ª Bienal Internacional de São Paulo (1994) e a exposição no MoMA em 2009.

“Natureza morta”, 1953, óleo s/tela. As referências europeias marcaram as primeiras obras da artista, que se mudou para São Paulo em 1953…

... mas também as explorações abstratas com materiais pouco apreciados nos círculos artísticos na época: tintas baratas, gesso, areia, madeira. S/título, 1954, têmpera e gesso s/madeira.

“Ondas Paradas de Probabilidade”, instalação, 1969. Obra criada para a 10ª Bienal de São Paulo, composta por um gigantesco cubo formado por fios de nylon e uma citação bíblica (Livro dos Reis, I, 19) sobre a relação entre conhecimento e fé, “a visibilidade do invisível, daquilo que age sem eu o vejamos – como, por exemplo, processos físicos ou espirituais” (Mira Schendel).

“Variantes”, 1977, óleo s/papel de arroz e acrílico. O conceito de transparência é fundamental na obra de M.S. e as curadoras destacaram a importância de outro aspeto fundamental, a consciência / conhecimento do espaço.

“Sarrafo” (1987), tinta acrílica, têmpera e gesso s/madeira. Nas últimas obras, M. S. explorava os limites da forma, dos suportes e o espaço do observador.