Encontra-se
patente nas galerias da Casa da Cultura de Seia até 06 de janeiro 2017 uma
interessante exposição de Ex-Votos, promovida pela Santa Casa da Misericórdia
de Seia e organizada pela arqueóloga senense Rita Saraiva.
Intitulada
“A Arte da Devoção”, a mostra apresenta uma grande variedade de Ex-Votos
(tábuas votivas policromadas, objetos em cera e fotografia) recolhidos em
várias igrejas e capelas do concelho, permitindo compreender o fenómeno do
ex-voto nesta região no seguimento da sua difusão europeia a partir do século
XVII, com maior expressão no século XVIII e XIX. Muitos santuários portugueses
ostentam imponentes “salas dos milagres”, repletas de ex-votos, enquanto em
algumas igrejas e capelas do Interior ainda há poucos anos continuavam
esquecidos em armários ou a apodrecer em vãos de escada. Felizmente que a
estima pela arte popular, compreensão da sua importância etnográfica e
valorização como Património Cultural, permitiu salvar autênticas preciosidades
– como as que podemos apreciar nesta surpreendente exposição.
O
termo “ex-voto” deriva da expressão latina “ex-voto suscepto”, que significa “o
voto realizado” por força de uma promessa. Exprime assim a religiosidade e
devoção mas, ao representar o milagre ou a graça recebida (geralmente a
salvação em situação de grande perigo, perda de bens, alívio ou cura de moléstias
diversas), mobiliza os saberes e gostos dessa época, localidade, grupo social,
e constitui um interessante objeto de estudo para antropólogos, arqueólogos,
linguistas, historiadores de arte.
No
que respeita à pintura, bem representada na exposição através de tábuas e telas
votivas policromadas, com ou sem data, o que salta imediatamente à vista é a
adorável ingenuidade das cenas pintadas com os únicos intuitos de agradar ao
santo da devoção reconhecendo e publicitando o pedido atendido. Com mais ou
menos desenho e pintura, com melhores ou piores tintas. Como escrevia Nicolau
Tolentino ainda no séc. XVIII, “São más as tintas; mas é bom o intento”.
Uma
boa parte dos ex-votos pintados são oriundos dos Santuários de Nossa Senhora do
Desterro e de Santa Eufémia, enquadrando-se nos formatos mais usados em
Portugal, de acordo com os estudos de Rocha Peixoto. As cenas pintadas são
inspiradas pela pintura erudita, que os fiéis encontram nas igrejas e capelas
para as evocações religiosas e catequese, assim como pela pintura das alminhas
e “milagres”, com uma estrutura que seguia os modelos da época: o miraculado de
um lado, frequentemente o doente acamado, e do outro a radiosa aparição do
santo invocado. Em baixo, a legenda explica o ocorrido, identificando o santo,
o miraculado e, às vezes, o suplicante.
O
nível de representação, uso de tela e de boas tintas revela que estamos na
presença de um artista profissional, existindo na exposição dois destes
trabalhos, assinados e datados, realizados por Augusto C. R. F. da Costa
(Gouveia, 1877) e F. J. Baptista, provavelmente de Viseu. Apenas as pessoas de
maior posição social tinham possibilidade de encomendar ex-votos a pintores de
maior nível enquanto as restantes recorriam a pintores amadores e aprendizes,
que por vezes se encontravam a trabalhar nas pinturas de tetos e aparatos dos
altares nas igrejas e capelas do século XVIII e XIX. A dificuldade em obter
tintas, à época, assim o sugere, uma vez que a confeção das tintas exigia
acesso a materiais por vezes inexistentes na região, alguns importados, assim
como conhecimentos técnicos do processo de obtenção das tintas.
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